O nojo me fascina e eu sempre desejei atravessá-lo: meu destino é atravessar o nojo e pegar a vida com as mãos.
Exercitava, ainda bem criança, esse meu talento para com as coisas rejeitadas: ia pescar com o meu pai e ele me ensinou a botar a minhoca no anzol. Com muito gosto eu as cortava ao meio e as prendia com meus dedinhos finos. E depois as baratas de pesca, com suas perninhas de cócegas. E o pior de todos para mim: os bigurrilhos. Um tipo de verme branco e duro, cascudo, na verdade, que fazia um barulhinho grave quando enfincado no anzol. Assim: tluuc.
Mas fui corajoso e venci também este nojo. Assim, vencendo os pequenos nojos, eu sentia que avançava e não dependia, e que estaria depois preparado para o Grande Nojo da existência. Ajudava os primos com as iscas. O meu prazer nem era pescar: era ir além do nojo e me sentir, deste modo, mais maduro.
Ver o peixe aberto também era tarefa curiosa. Melhor que o ato de pescar: eu não tinha paciência para esperar, queria logo ir transformando nojo em coisa sagrada.
O nojo é a etapa que antecede a experiência. O nojo é sempre uma imaturidade. O nojo é um não estar preparado para pegar a vida nas mãos. Mas é perigoso não ter nojo. É um estado de loucura e solidão íntima. É olhar para a vida simplesmente, e não colocar as coisas em estado de repugnância. É misturar-se em meio às coisas nojentas e de repente ser uma delas: fazer parte. Ser o próprio nojo. Eu sou: nojo. Eu grito daqui de dentro, do mole e do pegajoso da nojeira que é: existir. Porque na realidade todo mundo é perecível e tem um corpo que apodrecerá e servirá de alimento para baratas e vermes. Somos a carne que o nojo come.
Passo por você, Grande Nojo. Passe por mim para que o nojo seja também experimentado por quem tem medo do nojo. Faz de mim, Grande Nojo, teu instrumento. Mas venha todo enorme, causando-me medo também.
Ofereço meu corpo ao nojo e que ele se aloje como um vírus e que contamine a todos, não com o meu vírus do nojo, mas com o nojo-de-dentro que possui todo coração que bate.
Sei que o Grande Nojo é traiçoeiro, usa terno, tem unhas limpas e roupas sempre passadas e cheirosas. É para o Grande Nojo que eu vou. Mas trago meus pequenos nojos para lutar contra você, Grande Nojo, e assim você será apenas mais um.
E eu? Vencerei a mim mesmo, a humanidade, ao mundo. Sem ao menos sair do lugar. Só por conhecido o seu outro lado.
Tenho um blog como você. Me identifiquei muito com seu texto. Me identifiquei muito com seu nojo de viver, de existir, de querer morrer.Obrigada.
ResponderExcluirNojo de comida. Strogonoff, hambúrguer com queijo, carne com laticínios, mistura nojenta.
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