quarta-feira, 23 de novembro de 2011

A ESTRADA CINZA AZULADA.


A crosta impregnada ao seu corpo impedia a naturalidade da questão. De que lhe serviu um ano inteiro pensando em trabalho e dinheiro se os frutos desse frenesi foram o stress e a autoflagelação?

Sentia o cinza da cidade fundindo junto a sua pele, as toxinas da metrópole desprendendo por seus poros, a rotina bufando por entre as narinas. Tudo que sentia dele, confundia-se com o concreto que cercava a sua vida. 

Emancipado no fundo de si, a vontade de fugir se materializava, transbordando num constante estado de agonia. Articulou as ações necessárias desta fuga proibida, um processo complicado: O trânsito congestionado de poréns, o caminho sinuoso sem olhar no retrovisor, as nuvens densas de pensamentos. 

O dia se mostra nebulosamente fechado pra quem pretende sair deste circuito sem reta de chegada. 

O distanciamento movia-se em direção à Serra chuvosa, que não afetava em nada a sua decisão. Ele acelerava com medo de regredir, levado pelo pavor de se entregar ao fracasso.

Pisava fundo pela esperança de liberdade, atravessando os mares de morros que seguravam a conjuntura de toda lamentação.

Avistou no céu o azul-esperança que mudaria o seu destino, lacrimejou com o azul-mudança do mar espelhando seu reflexo e mergulhou com alegria esquecendo-se por completo o azul-bancário que impregnava sua vida.


domingo, 13 de novembro de 2011

DESABAFO.

Já disse mais de uma vez que minha mente está aberta para quem quiser entrar.

Que fique claro que isso não é um convite, é apenas um esclarecimento.

Não tem nada aqui dentro que precisa ser escondido, mas se quiser entrar, é por conta em risco de cada um. 

Nem eu mesmo sei o que se pode encontrar aqui nessa cabeça oca. Talvez loucura.

Talvez descontrole emocional. Talvez até perigo. 

Provavelmente pensamentos embriagados, embebidos em duas doses de tequila, com sal e limão. 

Provavelmente sentimentos incompletos que anseiam loucamente por serem correspondidos. 

Provavelmente opiniões doentes, podres, como a podridão que corre em minhas veias.

Ah, a última frase foi inspirada em uma declaração do meu pai, só para deixar mais claro que tipo pensamentos, sentimentos e opiniões podem ser encontrados dentro dessa mente vazia, desprovida de massa encefálica, tutano e miolo...


quarta-feira, 9 de novembro de 2011

DO OUTRO LADO DO NOJO !

O nojo me fascina e eu sempre desejei atravessá-lo: meu destino é atravessar o nojo e pegar a vida com as mãos. 

Exercitava, ainda bem criança, esse meu talento para com as coisas rejeitadas: ia pescar com o meu pai e ele me ensinou a botar a minhoca no anzol. Com muito gosto eu as cortava ao meio e as prendia com meus dedinhos finos. E depois as baratas de pesca, com suas perninhas de cócegas. E o pior de todos para mim: os bigurrilhos. Um tipo de verme branco e duro, cascudo, na verdade, que fazia um barulhinho grave quando enfincado no anzol. Assim: tluuc.

Mas fui corajoso e venci também este nojo. Assim, vencendo os pequenos nojos, eu sentia que avançava e não dependia, e que estaria depois preparado para o Grande Nojo da existência. Ajudava os primos com as iscas. O meu prazer nem era pescar: era ir além do nojo e me sentir, deste modo, mais maduro. 

Ver o peixe aberto também era tarefa curiosa. Melhor que o ato de pescar: eu não tinha paciência para esperar, queria logo ir transformando nojo em coisa sagrada.

O nojo é a etapa que antecede a experiência. O nojo é sempre uma imaturidade. O nojo é um não estar preparado para pegar a vida nas mãos. Mas é perigoso não ter nojo. É um estado de loucura e solidão íntima. É olhar para a vida simplesmente, e não colocar as coisas em estado de repugnância. É misturar-se em meio às coisas nojentas e de repente ser uma delas: fazer parte. Ser o próprio nojo. Eu sou: nojo. Eu grito daqui de dentro, do mole e do pegajoso da nojeira que é: existir. Porque na realidade todo mundo é perecível e tem um corpo que apodrecerá e servirá de alimento para baratas e vermes. Somos a carne que o nojo come.

Passo por você, Grande Nojo. Passe por mim para que o nojo seja também experimentado por quem tem medo do nojo. Faz de mim, Grande Nojo, teu instrumento. Mas venha todo enorme, causando-me medo também. 

Ofereço meu corpo ao nojo e que ele se aloje como um vírus e que contamine a todos, não com o meu vírus do nojo, mas com o nojo-de-dentro que possui todo coração que bate. 

Sei que o Grande Nojo é traiçoeiro, usa terno, tem unhas limpas e roupas sempre passadas e cheirosas. É para o Grande Nojo que eu vou. Mas trago meus pequenos nojos para lutar contra você, Grande Nojo, e assim você será apenas mais um. 

E eu? Vencerei a mim mesmo, a humanidade, ao mundo. Sem ao menos sair do lugar. Só por conhecido o seu outro lado.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

A ESQUIZOFRENIA DO TEMPO.

Eu tenho quase 53 anos e muitas histórias para contar, diz meu pensamento reducionista, como se minhas experiências diante da vida fossem enormes e cansativas. Mas elas são nanicas e nem sempre monótonas.

É claro que vivi dias de me sentir um senhor já caduca; quando não uma criança prestes a chorar por qualquer coisa das mais bobas. E não sou uma nem outra; sou o meio termo vagando entre a metade de século – que faço em breve – e uma eternidade de tempo que pode acabar hoje. De qualquer forma isso me atinge, ora sem afligir ora afligindo. Não há de ser, porém, a crise dos cinquenta, sobretudo porque ainda não se completou.

Talvez eu tenha vivido da forma mais espontânea todas as emoções, sem espaço para atrasos e arrodeios. Ou talvez aprendido a mentir descaradamente, até sentimentos. Com quarenta e poucos anos já não nos achamos os donos da verdade que a adolescência pleiteou à custa de revoltas frágeis e impensadas. Aliás, olhando tudo como está agora, pareço muito distante da época em que fui adolescente – e que surpresa ainda ter espinhas na cara.

Por outro lado, a infância se foi e não sinto que faz tanto tempo assim. Ontem eu era um menino tímido que precisava da mão de alguém para atravessar a rua, fazia deveres de casa e levava a merenda na lancheira. Na verdade, não há tanto o que contar, mas ainda é a minha vida inteira.

TODO CARNAVAL TEM SEU FIM.


 O que acontece dentro de mim? De onde vem esse ódio repentino de querer acabar com tudo, de transformar o carnaval numa eterna noite de cinzas? Afinal, que carnaval é esse que sobrevivemos sem nos questionar para quê? 

Por onde estamos mexendo, a quem estamos afetando, em quem estamos pensando na hora em que tudo degringolar de vez? A quem iremos recorrer toda a nossa covardia quando a merda se espalhar deliberadamente pela sala de jantar? E a pergunta que não quer calar: Que merda é essa 01? Afinal, somos apenas números neste emaranhado de situações que sobrepõe o luxo ao indivíduo.  Um número que identifica quem sou eu, um número que identifica qual é o meu ideal, um número que identifica a minha cor de pele, um número que identifica minha qualidade de vida… ou seria uma letra que me diz essa parte? Quem sou eu nessa equação que não me diz nada? Sou apenas um coeficiente inapropriado, na busca eterna de não igualar a equação.

Mas o que fazer diante de tanto matemático alterando a fórmula do produto? Serei eu um produto ou apenas mais um consumista incalculável? Consumindo nas margens do sistema, corroendo pelas beiradas do sobreposto, entrando a contragosto neste emaranhado viscoso, porque a marginalidade também é corrompida pelo sistema. Afinal, queremos mesmo estampar um número que não é nosso no peito, e apertar o botão verde da confirmação? Eu não quero confirmar, mas também não quero me isentar. Por onde devo começar? Pra quem devo questionar? Com quem devo gritar, berrar e espernear? 

No fundo, o final disso tudo é descobrir quem irá me silenciar. Quem será o contra-regra que irá dizer que o carnaval acabou? Eu só quero que ele me explique quando é que começou, porque dessa festa, não estou convidado a participar. 

Resta somente a ressaca do ódio corrompida pela ganância. Desejo de todo coração para que isso não me afete, mas sou apenas parte de um todo estremecido, insolúvel e guarnecido. Levo comigo todo esse ódio proibido. Eu não existo enquanto indivíduo, apenas uma massa de manobra corrompida. 
E quero e vou romper com essa regalia. Custe o que custar...



segunda-feira, 5 de setembro de 2011

RECOMEÇO.


Me sinto fraco prá romper com círculos viciosos.

Todos os dias faço as mesmas coisas, e ainda espero
que algo mude.

Sinto a vontade de partir prá tudo que eu desconheço, mas aí vem o medo. Muito medo. Medo da mudança. Medo do novo.

Sem descrédito, sem hipocrisias a sem reflexos.

Apenas a verdade e eu. Face a face, na evidência de um novo recomeço.

domingo, 4 de setembro de 2011

ESQUISITO.


Abriu o Facebook depois de muitos dias e se sentiu deslocado. 

Estava distante de todas as pessoas que postavam suas faces naquele livro. Parecia que havia se desconectado delas facilmente e estava somente consigo novamente. Olhou pra vida pessoal de cada uma delas, seus gritos, desesperos, satisfações e desencontros.

Decidiu que a preguiça não o levaria para lugar nenhum. Respondeu timidamente uma conversa qualquer, apenas para pedir algo que era de seu rol de vícios cultivados com desdém. 

Depois de dias sem se conectar ao mundo destas pessoas, a única coisa que teve a capacidade de fazer foi pedir pela saciedade de seu vício. Não fora capaz de transmitir nem um feliz ano novo, muito menos um adeus ano velho. Sentia-se velho demais pra tudo isso. 

Quase fechou a janela de seu quarto com medo de que o mundo pudesse adentrar pela brisa fresca umedecida por um alagamento qualquer. Estava fechado para balanço, queria balançar-se contra o vento, mas somente contra ele, e mais ninguém. 

Recluso, organiza o espaço de seu confinamento, preenche-o com mantimentos, todos os que contemplem seus vícios, sem exceções. 

Duvidou se não era o mundo que estava com preguiça de sua pessoa, de suas escolhas desiguais, de suas ações rotineiras, de seu divertimento barato. O mundo não precisa desta mesma pessoa transitando por aí.

Ela já preencheu todos os espaços com seus instintos passivos, já marcou o território da mesmice nos cantos e esquinas, não agüenta mais reproduzir o seu sorriso. Nesta clausura, consome tudo instintivamente: o ar, a brisa, o vento, os vícios, o luxo, o lixo… 

Acreditando que quando exaurir-se ao chão, despertará uma nova pessoa, renovada pra enfrentar o mundo e mijar em seus cantos e esquinas.